terça-feira, 19 de abril de 2016

Ideias: O ‘cala a boca’, o ‘circo de horrores’ e o Chapolin Colorado

Voltei a pensar que não está distante o dia em que a sociedade brasileira pode acordar dominada pelo fundamentalismo religioso, tal a qual a personagem Mariam, do livro “Cidade do sol”, do escritor afegão Khaled Hosseini. Aos 14 anos, perdeu a mãe, com quem vivia e tinha alguma liberdade, e logo em seguida foi dada em casamento pelo pai a um homem bem mais velho, morador de uma cidade distante, quando passou a viver sob as regras rígidas e desumanas do islamismo impostas às mulheres. Um dos fatos recentes que me levou quase ao delírio sobre tal cenário terrífico foi o projeto de lei de um deputado estadual paranaense que pretendia impor aos professores das escolas públicas a censura sobre conteúdos ‘políticos’ e sexuais. Felizmente, foi sumariamente retirado da pauta da Assembleia Legislativa, condenado ao ostracismo, como deveria ter sido também o seu autor. Imaginava o tamanho do desafio dos professores para ensinar História e Geografia, por exemplo, sem abordar atos e fatos diretamente relacionados com a política. Considero um imensurável retrocesso uma proposta como esta, que vai contra a tudo o que já se conquistou em termos de desenvolvimento social, cultural e, inclusive, econômico. Mas ainda há cheiro de perigo no ar!

Quando atuei no magistério, na disciplina de Português, costumava, nas primeiras aulas da então 5ª série, esclarecer os alunos sobre os motivos pelos quais falamos a língua portuguesa no Brasil. A origem do nosso idioma tem a ver com a política imperialista dos romanos, que falavam o Latim e impuseram sua língua aos povos dos territórios conquistados. Tem política nisto e, havendo uma lei que censurasse falar de política, um professor que tivesse o cuidado de abordar as origens da língua portuguesa não poderia dizer que o Latim chegou ao território que hoje é Portugal porque os beligerantes romanos invadiram o espaço e, muitas vezes por força, impuseram o idioma aos povos dominados. Talvez as pobres crianças pensariam que falam Português porque Deus quer que seja assim. Como talvez possam pensar que Tiradentes foi enforcado porque Deus quis que as coisas acontecessem daquele jeito. Que a ditadura militar reprimiu, torturou e matou também por vontade divina. Seria não só ignorar, mas, sobretudo, a negação dos fatos
Por que há políticos, como o tal deputado, querendo colocar abaixo inúmeros direitos, como a liberdade de manifestação do pensamento? Quando se cala à força aquelas vozes que incomodam a consequência é uma sociedade muda, ignorante e facilmente dominada. Pelo menos eu não quero conviver com pessoas sem opinião, sem posição e sem conhecimento, porque aí há ignorância e esta leva a muitas situações ruins para sociedade. Exemplo disso foi o triste e patético episódio do último domingo, quando figuras sinistras em forma de deputados federais, saídas da penumbra das catacumbas da pior espécie de comportamento social, encenaram um espetáculo de terror explícito. O Brasil, graças à atuação daqueles canastrões de produções classe C, virou piada internacional. Como bem espantou-se o jornal New York Times – nada mais, nada menos que o maior jornal do mundo – em editorial, citando a hipocrisia dos deputados.
O ‘circo de horrores’ na Câmara dos Deputados teve de tudo e mais um pouco. Eu não consegui assistir a tão deprimente e ridículo espetáculo de falsidades, mentiras, hipocrisias e outros tantos predicados que podem ser aplicados àqueles seres bizarros que, com certeza, concordariam plenamente com o deputado estadual paranaense que pretendia calar a voz dos professores. Para todos esses, um povo ignorante é a melhor plateia para o seu show e aceita passivamente a ideia de que tudo é vontade de Deus, como tentaram fazer quanto invocavam à Ele antes de proferirem seus votos indecentes. Afinal, apoiados por muita gente, estão próximos de tomar o poder e, aí sim, mostrar que não são exatamente aquilo que demonstraram no domingo, mas muito piores. Todas as mãos que ajudaram a balançar o berço onde estava sendo chocado o ‘ovo da serpente’ não serão suficientes para detê-lo, como todas as vozes que gritavam em apoio aos ímpios correm o sério risco de serem caladas à força. Talvez nem mesmo o Chapolin Colorado poderá nos defender do Leviatã que os incautos alimentaram com sua ignorância política.

3 comentários:

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  2. Ótimo texto. A oligarquia tem pavor à educação. E nossa sociedade vê a educação como acessório para obtenção de empregos, não temos fundações humanistas sólidas em nossa cultura. Ainda estamos numa grande guerra de ideais econômicos, vai demorar até mais professores se incumbirem da missão de explicar a origem do português. Enquanto produzirmos educadores pragmáticos, Deus continuará como resposta fácil à curiosidade das crianças. E a discussão em profundidade estará morta, assim como nossa esperança numa classe política mais qualificada.

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  3. a muito costumo dizer que a politica BRASILEIRA é semelhante a uma partida de futebol, porem cada jogador joga com sua BOLA, não á entrosamento a melhor coisa no acontecimento de DOMINGO foi mostrar a REALIDADE DO NOSSO CONGRESSO achamos que todos brasileiros tem direito de ser politico resa uma DEMOCRACIA mas com conhecimento de causa e oque foi mostrado não o é.

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