Para Paris
Bon jour, mon cher!
Escrevo esta carta em solidariedade a você, uma cidade grande, famosa em todo o
mundo, lamentando os acontecimentos bárbaros do último dia 13, uma sexta-feira
sangrenta para a França e para a humanidade. Você recebia – como sempre recebe
– milhares de visitantes, gente de todo os lugares do planeta, quando bombas e
tiros mataram uma centena e meia de pessoas em diversos pontos de seu
perímetro. A notícia correu pelos quatro cantos da Terra, sempre carregada de
consternação e revolta. Soubemos, mais tarde, que fanáticos – não vou dizer
religiosos porque religião alguma incita à violência – foram os responsáveis
por aqueles horrendos atos. Tentei chorar, confesso, mas a lama endurecida que
encobre meus olhos não permitiu que as lágrimas escorressem. Talvez você saiba
que uma pequena parte de mim, um lugarzinho chamado Bento Rodrigues, foi
atingido por uma avalanche de lama depois que uma represa cedeu. A enxurrada de
lama desceu misturada com resíduos e dejetos de uma empresa mineradora.
Tornou-se tóxica. Matou também muita gente, talvez vinte, talvez trinta, não
sei, pois ainda estão procurando corpos em meio à lama. Também matou bichos,
plantas e um rio inteiro. O rio Doce ficou sujo e inerte, seu ecossistema foi
seriamente comprometido e muita coisa ainda será afetada, mesmo dias e meses após o
desastre.
Viu, mon cher,
temos semelhanças, apesar da distância que nos separa. Esta distância não só é geográfica
como também da importância que a imprensa, inclusive a brasileira, concede às
notícias sobre nós duas. Não, não fico chateada com isso, não. Você tem
glamour, tem luzes, tem alegria em todas as esquinas. Eu sou uma mineirinha que
fica quietinha no seu cantinho, pra mó
de não chamar muito a tenção. É assim o meu jeitinho e eu gosto. Sei que muita
gente prefere falar de você, apesar de mal saber onde está localizada. Mas é
que as pessoas aqui no Brasil têm essa mania de querer mostrar que sabem das
coisas que acontecem no mundo. Pena que quase não olham para o que está bem embaixo
de seus narizes. Aqui é engraçado, pois tem gente que fala que deseja viajar
para Miami e sequer sabe o nome das cidades que são vizinhas da sua. E ao
contrário dos franceses, que, ouvi dizer, são cultos e patriotas, a maioria dos
brasileiros mal sabe a história do Brasil. Acredito que é para disfarçar essa
ignorância sobre os fatos de sua nação, por não conhecerem as raízes da pátria
que é sua mãe, que eles falam de boca cheia que lá fora tudo é melhor. Gabam-se
por saber a cotação diária do dólar, por supostamente entenderem de economia
nacional e até internacional e por acreditarem que na Europa e nos Estados
Unidos não tem corrupção, não tem violência e não tem miséria. Como dizem aqui:
comem couve e imaginam arrotar caviar!
Então, mon cher,
sabendo que os brasileiros não dariam a mínima para uma carta escrita por mim,
resolvi escrever para você. Só para lamentar o que aconteceu e desejar que você
recupere-se logo, o que acredito que vai acontecer. Quanto a mim, permaneço
quietinha, no meu cantinho, lambendo a lama endurecida até que desgrude e,
talvez, com isso, anos e anos depois a vida volte a ser o que era.
Recevoir mon baiser et ma solidarité! Son ami
anonyme
De Mariana
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