quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Uma carta de Mariana da lama para Paris dos atentados terroristas

Escrita em novembro de 2015, logo após os fatos tristes e trágicos vividos em dois pontos distantes e distintos do planeta:


Para Paris

Bon jour, mon cher! Escrevo esta carta em solidariedade a você, uma cidade grande, famosa em todo o mundo, lamentando os acontecimentos bárbaros do último dia 13, uma sexta-feira sangrenta para a França e para a humanidade. Você recebia – como sempre recebe – milhares de visitantes, gente de todo os lugares do planeta, quando bombas e tiros mataram uma centena e meia de pessoas em diversos pontos de seu perímetro. A notícia correu pelos quatro cantos da Terra, sempre carregada de consternação e revolta. Soubemos, mais tarde, que fanáticos – não vou dizer religiosos porque religião alguma incita à violência – foram os responsáveis por aqueles horrendos atos. Tentei chorar, confesso, mas a lama endurecida que encobre meus olhos não permitiu que as lágrimas escorressem. Talvez você saiba que uma pequena parte de mim, um lugarzinho chamado Bento Rodrigues, foi atingido por uma avalanche de lama depois que uma represa cedeu. A enxurrada de lama desceu misturada com resíduos e dejetos de uma empresa mineradora. Tornou-se tóxica. Matou também muita gente, talvez vinte, talvez trinta, não sei, pois ainda estão procurando corpos em meio à lama. Também matou bichos, plantas e um rio inteiro. O rio Doce ficou sujo e inerte, seu ecossistema foi seriamente comprometido e muita coisa ainda será afetada, mesmo dias e meses após o desastre.

Viu, mon cher, temos semelhanças, apesar da distância que nos separa. Esta distância não só é geográfica como também da importância que a imprensa, inclusive a brasileira, concede às notícias sobre nós duas. Não, não fico chateada com isso, não. Você tem glamour, tem luzes, tem alegria em todas as esquinas. Eu sou uma mineirinha que fica quietinha no seu cantinho, pra mó de não chamar muito a tenção. É assim o meu jeitinho e eu gosto. Sei que muita gente prefere falar de você, apesar de mal saber onde está localizada. Mas é que as pessoas aqui no Brasil têm essa mania de querer mostrar que sabem das coisas que acontecem no mundo. Pena que quase não olham para o que está bem embaixo de seus narizes. Aqui é engraçado, pois tem gente que fala que deseja viajar para Miami e sequer sabe o nome das cidades que são vizinhas da sua. E ao contrário dos franceses, que, ouvi dizer, são cultos e patriotas, a maioria dos brasileiros mal sabe a história do Brasil. Acredito que é para disfarçar essa ignorância sobre os fatos de sua nação, por não conhecerem as raízes da pátria que é sua mãe, que eles falam de boca cheia que lá fora tudo é melhor. Gabam-se por saber a cotação diária do dólar, por supostamente entenderem de economia nacional e até internacional e por acreditarem que na Europa e nos Estados Unidos não tem corrupção, não tem violência e não tem miséria. Como dizem aqui: comem couve e imaginam arrotar caviar!

Então, mon cher, sabendo que os brasileiros não dariam a mínima para uma carta escrita por mim, resolvi escrever para você. Só para lamentar o que aconteceu e desejar que você recupere-se logo, o que acredito que vai acontecer. Quanto a mim, permaneço quietinha, no meu cantinho, lambendo a lama endurecida até que desgrude e, talvez, com isso, anos e anos depois a vida volte a ser o que era.

Recevoir mon baiser et ma solidarité! Son ami anonyme


De Mariana

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