Anos atrás, depois de alguns dias
curtindo o dolce far niente no
litoral – do Paraná, é claro, porque custa menos e é bem mais perto – consegui
ficar fora das estatísticas dos veranistas que sofreram queimaduras provocadas
pelas toxinas das águas-vivas. Felizmente, passei ileso pelas areias e águas
atlânticas. Vi as criaturas marinhas em suas evoluções no mar da baía de
Guaratuba e até gostei do espetáculo. Uma bela coreografia executada pelos
seres marinhos mais odiados daquela época. A criatividade popular foi exalada
por um gaiato de plantão: “água-viva é igual dinheiro dos outros, se botar a
mão arruma encrenca”.
Gosto da praia porque é o espaço
democrático por excelência. Nela, ninguém se importa para o que os demais são
ou parecem ser. Magros, gordos, ricos, pobres, altos, baixos, brancos, negros, jovens,
velhos, bonitos e feios desfilam pela orla marítima e esbaldam-se ao sol, sem
censuras ou reprimendas. Não há distinção de raça, sexo, religião, cor dos
trajes de banho ou classe econômica. Por que isto não acontece sempre, em todo
o tempo e em todo lugar? “O mar quando quebra na praia é bonito, é bonito”,
cantava o saudoso baiano Dorival Caymmi, cheio de razão, que cantou tudo o que podia
sobre o mar.
À distância da beira do mar, o ser
humano vive a criar comparações e deixa que sejam ditadas regras que segregam e
isolam. O convívio e a comunhão tornam-se impossíveis a partir do
estabelecimento de normas para os rituais do vestir-se e os dogmas do comportar-se.
Além disso, quem acumula mais riqueza, seja em dinheiro ou em propriedades,
normalmente discrimina quem não consegue acumular. Pela cor da pele e pela
crença religiosa também se discrimina pessoas. Igualmente se dá pela idade e pela
aparência física.
Os perigos do mar estão no risco de
afogamento, para quem abusa ou deixa de tomar precauções, e em esbarrões em
águas-vias, mesmo que se tomem todos os cuidados. Já os perigos na vida além da
faixa de areia são muitos e mais agressivos. Quem não se vestir de acordo com
os ditames da moda está fora! Quem não se portar da forma ditada pela etiqueta
está excluído! Quem não tiver dinheiro não pode entrar! Quem é gordo não pode
passar! Quem é feio – segundo critérios questionáveis – não consegue admiração!
Pensando bem, é melhor uma queimadura de água-viva do que ser queimado pela
sociedade segregacionista e discriminatória.
Então, vamos invadir a praia! Sem
esquecer de levar a farofa, naturalmente!
São duas passagens sobre o mar, não como
fez Jesus, caminhando sobre as águas, mas que rendem boas gargalhadas e, com as
devidas escusas dos leitores, omitirei nomes dos protagonistas, por questões
óbvias. Aconteceram, ambas, nos idos tempos em que as praias não tinham
iluminação noturna como têm hoje, que as estradas não tinham pedágio e que
viajar ao litoral era uma tremenda aventura.
A mais remota envolveu um grupo de uma
empresa local – já inativa, como a classificaria um contador digno de respeito
– que viajou no final de semana sobre a carroceria de um caminhão coberta com
lona. Chegando a Guaratuba, no meio da tarde de sábado, foram todos para a
praia, “molhar os pés” no mar. Um dos integrantes da excursão, provavelmente
indo pela primeira vez ao encontro das águas salgadas, trajou-se com camiseta
regata branca, calção com coloridíssimas estampas florais, meias de nylon
pretas e sapatos pretos. Imaginem a figuraça desfilando pelas areias nestes
trajes. Tem como não rir?
Algum tempo depois, vereadores de
Palmeira e mais algumas pessoas, não sei exatamente quem, foram ao litoral,
igualmente em excursão de fim de semana. Chegando à beira do mar já à noite –
não havia iluminação e, por isso, era impossível ver o mar, ouvia-se apenas o
forte estrondo das ondas batendo na areia. Espantado com o ruído, marujo de
primeira viagem, um dos vereadores, morador em localidade do interior do
município, soltou uma surpreendente exclamativa: “Com esse barulhão, gabava ver
o tamanho dessa cachoeira!”. Mais risos!
Fernando Pessoa, em um de seus mais
conhecidos poemas, ‘Mar portuguez’, canta que o mar é salgado devido às lágrimas
das mães, mulheres, noivas e filhos dos marinheiros portugueses que partiram e nunca
mais voltaram a Portugal. Outros dizem que é por causa das pessoas que choram de
tanto rir com situações como essas duas passagens apresentadas cima. Não
acredito em nenhuma das hipóteses anteriores, porque sei, há muitos anos, que o
mar é salgado por causa dos bacalhaus. O tal peixe é salgado até no preço!
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