sexta-feira, 29 de abril de 2016

Praia, risos e bacalhau... Momentos de constrangimento à beira mar

Anos atrás, depois de alguns dias curtindo o dolce far niente no litoral – do Paraná, é claro, porque custa menos e é bem mais perto – consegui ficar fora das estatísticas dos veranistas que sofreram queimaduras provocadas pelas toxinas das águas-vivas. Felizmente, passei ileso pelas areias e águas atlânticas. Vi as criaturas marinhas em suas evoluções no mar da baía de Guaratuba e até gostei do espetáculo. Uma bela coreografia executada pelos seres marinhos mais odiados daquela época. A criatividade popular foi exalada por um gaiato de plantão: “água-viva é igual dinheiro dos outros, se botar a mão arruma encrenca”.

Gosto da praia porque é o espaço democrático por excelência. Nela, ninguém se importa para o que os demais são ou parecem ser. Magros, gordos, ricos, pobres, altos, baixos, brancos, negros, jovens, velhos, bonitos e feios desfilam pela orla marítima e esbaldam-se ao sol, sem censuras ou reprimendas. Não há distinção de raça, sexo, religião, cor dos trajes de banho ou classe econômica. Por que isto não acontece sempre, em todo o tempo e em todo lugar? “O mar quando quebra na praia é bonito, é bonito”, cantava o saudoso baiano Dorival Caymmi, cheio de razão, que cantou tudo o que podia sobre o mar.
À distância da beira do mar, o ser humano vive a criar comparações e deixa que sejam ditadas regras que segregam e isolam. O convívio e a comunhão tornam-se impossíveis a partir do estabelecimento de normas para os rituais do vestir-se e os dogmas do comportar-se. Além disso, quem acumula mais riqueza, seja em dinheiro ou em propriedades, normalmente discrimina quem não consegue acumular. Pela cor da pele e pela crença religiosa também se discrimina pessoas. Igualmente se dá pela idade e pela aparência física.
Os perigos do mar estão no risco de afogamento, para quem abusa ou deixa de tomar precauções, e em esbarrões em águas-vias, mesmo que se tomem todos os cuidados. Já os perigos na vida além da faixa de areia são muitos e mais agressivos. Quem não se vestir de acordo com os ditames da moda está fora! Quem não se portar da forma ditada pela etiqueta está excluído! Quem não tiver dinheiro não pode entrar! Quem é gordo não pode passar! Quem é feio – segundo critérios questionáveis – não consegue admiração! Pensando bem, é melhor uma queimadura de água-viva do que ser queimado pela sociedade segregacionista e discriminatória.
Então, vamos invadir a praia! Sem esquecer de levar a farofa, naturalmente!
São duas passagens sobre o mar, não como fez Jesus, caminhando sobre as águas, mas que rendem boas gargalhadas e, com as devidas escusas dos leitores, omitirei nomes dos protagonistas, por questões óbvias. Aconteceram, ambas, nos idos tempos em que as praias não tinham iluminação noturna como têm hoje, que as estradas não tinham pedágio e que viajar ao litoral era uma tremenda aventura.
A mais remota envolveu um grupo de uma empresa local – já inativa, como a classificaria um contador digno de respeito – que viajou no final de semana sobre a carroceria de um caminhão coberta com lona. Chegando a Guaratuba, no meio da tarde de sábado, foram todos para a praia, “molhar os pés” no mar. Um dos integrantes da excursão, provavelmente indo pela primeira vez ao encontro das águas salgadas, trajou-se com camiseta regata branca, calção com coloridíssimas estampas florais, meias de nylon pretas e sapatos pretos. Imaginem a figuraça desfilando pelas areias nestes trajes. Tem como não rir?
Algum tempo depois, vereadores de Palmeira e mais algumas pessoas, não sei exatamente quem, foram ao litoral, igualmente em excursão de fim de semana. Chegando à beira do mar já à noite – não havia iluminação e, por isso, era impossível ver o mar, ouvia-se apenas o forte estrondo das ondas batendo na areia. Espantado com o ruído, marujo de primeira viagem, um dos vereadores, morador em localidade do interior do município, soltou uma surpreendente exclamativa: “Com esse barulhão, gabava ver o tamanho dessa cachoeira!”. Mais risos!
Fernando Pessoa, em um de seus mais conhecidos poemas, ‘Mar portuguez’, canta que o mar é salgado devido às lágrimas das mães, mulheres, noivas e filhos dos marinheiros portugueses que partiram e nunca mais voltaram a Portugal. Outros dizem que é por causa das pessoas que choram de tanto rir com situações como essas duas passagens apresentadas cima. Não acredito em nenhuma das hipóteses anteriores, porque sei, há muitos anos, que o mar é salgado por causa dos bacalhaus. O tal peixe é salgado até no preço!

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