Por indicação, li reportagem de uma revista sobre pesquisa
inédita realizada pela ONG Ação Educativa e pelo Grupo de Estudos e Pesquisas
em Políticas Educacionais (Greppe), formado por pesquisadores em educação da
USP, Unicamp e Unesp, com apoio da Open Society Foundations e da Campanha
Latino-Americana pelo Direito à Educação, que aponta que a adoção de sistemas
privados de ensino por municípios brasileiros tem reduzido a disponibilidade de
recursos para o setor, ameaçando a realização do direito humano à educação e
cumprimento de metas do Plano Nacional de Educação 2014-2024. Então, o caso de
Palmeira vem à mente e passo a ampliar questionamentos já feitos antes quanto à
adoção pela Prefeitura do Sistema de Ensino Aprende Brasil, da Editora Positivo.
Desde 2014, alunos e professores das escolas da rede municipal usam material
deste sistema. Um dos objetivos da adoção do mesmo, segundo afirmou em 2013 a
secretária de Educação da Prefeitura de Palmeira, Lídia Mayer de Freitas, era
buscar o aumento da nota do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) tanto da rede municipal como das escolas. O
Ideb deve ser divulgado no segundo semestre deste ano, baseado nos resultados
obtidos com a Prova Brasil, aplicada no ano passado para os alunos dos 4ºs e
5ºs anos. Então, o negócio é esperar, mas vamos discutir o assunto?
Os sistemas privados
de ensino são pacotes de produtos e serviços oferecidos por empresas privadas a
redes de ensino de estados e municípios. As empresas, obviamente, visam lucros
com este negócio. As atividades e produtos podem ir de materiais didáticos,
geralmente apostilas, a formação continuada de educadores, acompanhamento e
supervisão das atividades docentes, processos de avaliação externa e interna e
pacotes de gestão. Enfim, tudo executado pelas empresas segundo a sua vontade.
Ao poder público cabe apenas aplicar o que é determinado. O grande problema é
que isto coloca em risco os direitos humanos educacionais e ameaça seriamente
os investimentos em educação pública.
Muitas vezes alertei
para o fato de a aplicação
de recursos públicos na compra de sistemas privados de ensino levar a uma
duplicidade de gasto. Acontece que há perda de recursos que são oferecidos de
forma gratuita pelo governo federal via Programa Nacional do Livro Didático
(PNLD). A começar, isto reduz a disponibilidade de novas vagas no sistema
público, especialmente “nas etapas não obrigatórias e naquelas em que é baixa a
cobertura, com prejuízo para as populações mais pobres, as crianças com idade
de frequência à creche, os jovens e adultos com baixa escolaridade e os
estudantes com deficiência ou com necessidades educativas especiais”, conforme
aponta a pesquisa. Pior ainda é o fato de “a adoção dos sistemas privados
enfatizar o planejamento centralizado dos aspectos pedagógicos e a padronização
do trabalho docente e discente, em detrimento dos mecanismos de participação
democrática. Como reflexo, tendem a violar os deveres estatais quanto ao
reconhecimento da diversidade cultural e pedagógica, que deveriam ser
respeitadas, protegidas e promovidas pelo Estado”, segundo a pesquisa.
De volta ao caso de Palmeira e relação
comercial com a Editora Positivo, em dois anos de uso do material e do sistema
que ela vende – 2014 e 2015 – já rendeu à empresa quase R$ 1,8 milhão. Em 2016,
segundo informação de valor empenhado para a Positivo, devem ser pagos mais R$
808 mil. Em três anos, portanto, devem ser dispendidos do orçamento da educação
mais de R$ 2,6 milhões. Fato é, que se fossem utilizados os livros do PNLD,
gratuitamente, o valor que vai para a Editora Positivo poderia ser canalizado
para outras atividades ou equipamentos para o setor. Aí, a livre imaginação de
cada um pode entrar em ação. Diferente do que acontece com os materiais
comprados e distribuídos pelo PNLD, via Ministério da Educação, os sistemas
privados “não passam por nenhum processo de avaliação técnica, isenta, de
maneira pública e por instituições públicas reconhecidas que venha a
identificar a adequação dos materiais à legislação educacional brasileira e sua
qualidade em sentido amplo”, diz a pesquisa. Acesse http://www.observatoriodaeducacao.org.br/
pra conhecer a pesquisa.
Para concluir: “O que se sabe hoje é
que o avanço da lógica privada sobre o setor público afeta o direito humano à
educação, tendendo a produzir, na maior parte dos casos, aumento das
desigualdades educacionais, com maior prejuízo para as populações em situação
de maior vulnerabilidade”, disse Gustavo Paiva, da ONG Ação Educativa e coautor
do trabalho. “Neste contexto, o estudo se propôs a analisar quais são os impactos
da adoção de sistemas privados de ensino para a realização do direito humano à
educação. A conclusão é de que estes sistemas tendem a reduzir a
disponibilidade de recursos, reduzir a capacidade do poder público de planejar
e gerir seus sistemas educativos e reduzir a autonomia de professores, além de
não haver garantia de melhoria na qualidade e o devido controle social”,
finaliza o pesquisador.
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