quarta-feira, 6 de abril de 2016

Sistema público de ensino ou sistema privado? Pesquisa aponta ameaças a recursos públicos

Por indicação, li reportagem de uma revista sobre pesquisa inédita realizada pela ONG Ação Educativa e pelo Grupo de Estudos e Pesquisas em Políticas Educacionais (Greppe), formado por pesquisadores em educação da USP, Unicamp e Unesp, com apoio da Open Society Foundations e da Campanha Latino-Americana pelo Direito à Educação, que aponta que a adoção de sistemas privados de ensino por municípios brasileiros tem reduzido a disponibilidade de recursos para o setor, ameaçando a realização do direito humano à educação e cumprimento de metas do Plano Nacional de Educação 2014-2024. Então, o caso de Palmeira vem à mente e passo a ampliar questionamentos já feitos antes quanto à adoção pela Prefeitura do Sistema de Ensino Aprende Brasil, da Editora Positivo. Desde 2014, alunos e professores das escolas da rede municipal usam material deste sistema. Um dos objetivos da adoção do mesmo, segundo afirmou em 2013 a secretária de Educação da Prefeitura de Palmeira, Lídia Mayer de Freitas, era buscar o aumento da nota do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb)  tanto da rede municipal como das escolas. O Ideb deve ser divulgado no segundo semestre deste ano, baseado nos resultados obtidos com a Prova Brasil, aplicada no ano passado para os alunos dos 4ºs e 5ºs anos. Então, o negócio é esperar, mas vamos discutir o assunto?

Os sistemas privados de ensino são pacotes de produtos e serviços oferecidos por empresas privadas a redes de ensino de estados e municípios. As empresas, obviamente, visam lucros com este negócio. As atividades e produtos podem ir de materiais didáticos, geralmente apostilas, a formação continuada de educadores, acompanhamento e supervisão das atividades docentes, processos de avaliação externa e interna e pacotes de gestão. Enfim, tudo executado pelas empresas segundo a sua vontade. Ao poder público cabe apenas aplicar o que é determinado. O grande problema é que isto coloca em risco os direitos humanos educacionais e ameaça seriamente os investimentos em educação pública.
Muitas vezes alertei para o fato de a aplicação de recursos públicos na compra de sistemas privados de ensino levar a uma duplicidade de gasto. Acontece que há perda de recursos que são oferecidos de forma gratuita pelo governo federal via Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). A começar, isto reduz a disponibilidade de novas vagas no sistema público, especialmente “nas etapas não obrigatórias e naquelas em que é baixa a cobertura, com prejuízo para as populações mais pobres, as crianças com idade de frequência à creche, os jovens e adultos com baixa escolaridade e os estudantes com deficiência ou com necessidades educativas especiais”, conforme aponta a pesquisa. Pior ainda é o fato de “a adoção dos sistemas privados enfatizar o planejamento centralizado dos aspectos pedagógicos e a padronização do trabalho docente e discente, em detrimento dos mecanismos de participação democrática. Como reflexo, tendem a violar os deveres estatais quanto ao reconhecimento da diversidade cultural e pedagógica, que deveriam ser respeitadas, protegidas e promovidas pelo Estado”, segundo a pesquisa.
De volta ao caso de Palmeira e relação comercial com a Editora Positivo, em dois anos de uso do material e do sistema que ela vende – 2014 e 2015 – já rendeu à empresa quase R$ 1,8 milhão. Em 2016, segundo informação de valor empenhado para a Positivo, devem ser pagos mais R$ 808 mil. Em três anos, portanto, devem ser dispendidos do orçamento da educação mais de R$ 2,6 milhões. Fato é, que se fossem utilizados os livros do PNLD, gratuitamente, o valor que vai para a Editora Positivo poderia ser canalizado para outras atividades ou equipamentos para o setor. Aí, a livre imaginação de cada um pode entrar em ação. Diferente do que acontece com os materiais comprados e distribuídos pelo PNLD, via Ministério da Educação, os sistemas privados “não passam por nenhum processo de avaliação técnica, isenta, de maneira pública e por instituições públicas reconhecidas que venha a identificar a adequação dos materiais à legislação educacional brasileira e sua qualidade em sentido amplo”, diz a pesquisa. Acesse http://www.observatoriodaeducacao.org.br/ pra conhecer a pesquisa.
Para concluir: “O que se sabe hoje é que o avanço da lógica privada sobre o setor público afeta o direito humano à educação, tendendo a produzir, na maior parte dos casos, aumento das desigualdades educacionais, com maior prejuízo para as populações em situação de maior vulnerabilidade”, disse Gustavo Paiva, da ONG Ação Educativa e coautor do trabalho. “Neste contexto, o estudo se propôs a analisar quais são os impactos da adoção de sistemas privados de ensino para a realização do direito humano à educação. A conclusão é de que estes sistemas tendem a reduzir a disponibilidade de recursos, reduzir a capacidade do poder público de planejar e gerir seus sistemas educativos e reduzir a autonomia de professores, além de não haver garantia de melhoria na qualidade e o devido controle social”, finaliza o pesquisador.

Nenhum comentário:

Postar um comentário