Contestar a
ação ou falta dela por parte de governantes é um direito de todo cidadão.
Assim, são legítimas as manifestações populares em protesto contra a corrupção
que atinge frontalmente os governos, orgãos e empresas estatais, sangrando os recursos
públicos, que já se apresentam insuficientes para atender a todas as demandas e
necessidades de todos os setores e segmentos da população. Exercendo seu direito, o cidadão
faz-se atuante e presente, pleno de seu poder. Isto é um dos pilares da democracia. Com o que não posso concordar
são os excessos, pois extrapolando seus direitos qualquer um perde o senso de
cidadania, descambando para a dualidade, a discriminação e, no pior extremo da
perda da razão, a barbárie. Daí, o passo para o caos está dado e, em condições
de desordem social, surgem os indefectíveis oportunistas a requerer o poder, prontos para
subjugar uma nação e seu povo, assassinando a democracia.
O cenário
político brasileiro atual, resultante de uma eleição presidencial que deixou marcas
profundas de ódio e intolerância, remete a uma disputa sem regras, um vale-tudo
que pode levar à convulsão social e o enfrentamento entre grupos. Triste
constatar que estamos a um passo de algo assim. Triste porque são brasileiros
contra brasileiros em um confronto que mira apenas e tão somente o cargo de
presidente da República, que para ser conquistado por alguém, segundo nossa
regras democráticas, tem que receber votos da população, que é a quem cabe
eleger seus governantes. Triste porque as regras que estão sendo ignoradas. Não
posso concordar que se queira “ganhar no grito”, afinal, as regras são claras e
são elas que determinam quem tem direito a escolher quem vai exercer o poder.
Caso haja insatisfação, a regra em vigor permite que se troque o dirigente
através de eleição, com base na vontade da maioria registrada nas urnas, e não
pelo inconformismo da derrota.
Levantam-se
vozes clamando pelo impedimento da presidente. É possível, desde que exista
fundamentação comprovada. Até o momento, nada há contra ela, que nem mesmo está
sob investigação por qualquer órgão competente para tal. Existem acusações,
denúncias e suspeitas, mas daí a se formar prova inconteste há uma distância a
ser respeitada. No Brasil e nos países civilizados, qualquer pessoas – já que
todos são iguais perante a lei – é presumidamente inocente até que se prove o
contrário. Contra a presidente, especificamente, não há provas irrefutáveis de
que tenha cometido ato passível de perda de mandato. Não tenho procuração para defendê-la,
mas tenho convicção de que a lei foi feita para ser cumprida. E quem é ou se
diz civilizado e democrata tem obrigação de assim proceder.
Quanto ao
argumento de que a corrupção influencia no resultado de eleições, pode ser
utilizado por todos e contra todos, indistintamente. É notório e sabido que os
recursos utilizados em campanhas eleitorais, em geral, não são integralmente
contabilizados nas prestações de contas, que o famoso caixa dois é prática mais
do que corrente e que ninguém, candidato ou apoiador, pode apontar o próprio dedo
contra o outro sem revelar que também tem seus dígitos manchados com resíduos
de origem escusa. Se assim não fosse, não haveria resistência ao financiamento
das campanhas eleitorais com recursos públicos e muito menos ao voto
facultativo, fatores que colocariam todos, indistintamente, em igualdade de
condições de disputa. As planilhas que a Polícia Federal apreendeu nos
escritórios da construtora Norberto Odebrecht são evidências cabais de que tal
prática existe na política brasileira há mais de 30 anos. Muito mais! Não
foram, portanto, os políticos que hoje ocupam mandatos quem inventaram a
corrupção para fins eleitorais. Como se percebe nas planilhas, políticos de
quase todos os partidos utilizam recursos escusos para suas campanhas
eleitorais. Por sinal, é um modo institucionalizado de fazer política.
O Brasil,
hoje, não precisa de uma guerra pelo poder. Se há ou não crise instalada, o
país e seu povo precisam vencer os obstáculos e avançar. Inclusive no que tange
à proibição de financiamento privado das campanhas, já previsto em lei. É
natural que ocorram conflitos, mas que não sejam determinantes para a derrota
da nossa ainda jovem, frágil e ameaçada democracia. Afinal, lembremos o quanto e
quantos brasileiros já sofreram para desfrutar dela em tempos de guerra! Agora
que estamos em tempos de paz, a democracia pode e deve conviver e caminhar lado
a lado com ela, sob nossa vigilância e proteção.
Nenhum comentário:
Postar um comentário