quarta-feira, 23 de março de 2016

Ideias: Democracia só convive com a paz. Com a guerra, ela é assassinada.

Contestar a ação ou falta dela por parte de governantes é um direito de todo cidadão. Assim, são legítimas as manifestações populares em protesto contra a corrupção que atinge frontalmente os governos, orgãos e empresas estatais, sangrando os recursos públicos, que já se apresentam insuficientes para atender a todas as demandas e necessidades de todos os setores e segmentos da população. Exercendo seu direito, o cidadão faz-se atuante e presente, pleno de seu poder. Isto é um dos pilares da democracia. Com o que não posso concordar são os excessos, pois extrapolando seus direitos qualquer um perde o senso de cidadania, descambando para a dualidade, a discriminação e, no pior extremo da perda da razão, a barbárie. Daí, o passo para o caos está dado e, em condições de desordem social, surgem os indefectíveis oportunistas a requerer o poder, prontos para subjugar uma nação e seu povo, assassinando a democracia.

O cenário político brasileiro atual, resultante de uma eleição presidencial que deixou marcas profundas de ódio e intolerância, remete a uma disputa sem regras, um vale-tudo que pode levar à convulsão social e o enfrentamento entre grupos. Triste constatar que estamos a um passo de algo assim. Triste porque são brasileiros contra brasileiros em um confronto que mira apenas e tão somente o cargo de presidente da República, que para ser conquistado por alguém, segundo nossa regras democráticas, tem que receber votos da população, que é a quem cabe eleger seus governantes. Triste porque as regras que estão sendo ignoradas. Não posso concordar que se queira “ganhar no grito”, afinal, as regras são claras e são elas que determinam quem tem direito a escolher quem vai exercer o poder. Caso haja insatisfação, a regra em vigor permite que se troque o dirigente através de eleição, com base na vontade da maioria registrada nas urnas, e não pelo inconformismo da derrota.
Levantam-se vozes clamando pelo impedimento da presidente. É possível, desde que exista fundamentação comprovada. Até o momento, nada há contra ela, que nem mesmo está sob investigação por qualquer órgão competente para tal. Existem acusações, denúncias e suspeitas, mas daí a se formar prova inconteste há uma distância a ser respeitada. No Brasil e nos países civilizados, qualquer pessoas – já que todos são iguais perante a lei – é presumidamente inocente até que se prove o contrário. Contra a presidente, especificamente, não há provas irrefutáveis de que tenha cometido ato passível de perda de mandato. Não tenho procuração para defendê-la, mas tenho convicção de que a lei foi feita para ser cumprida. E quem é ou se diz civilizado e democrata tem obrigação de assim proceder.
Quanto ao argumento de que a corrupção influencia no resultado de eleições, pode ser utilizado por todos e contra todos, indistintamente. É notório e sabido que os recursos utilizados em campanhas eleitorais, em geral, não são integralmente contabilizados nas prestações de contas, que o famoso caixa dois é prática mais do que corrente e que ninguém, candidato ou apoiador, pode apontar o próprio dedo contra o outro sem revelar que também tem seus dígitos manchados com resíduos de origem escusa. Se assim não fosse, não haveria resistência ao financiamento das campanhas eleitorais com recursos públicos e muito menos ao voto facultativo, fatores que colocariam todos, indistintamente, em igualdade de condições de disputa. As planilhas que a Polícia Federal apreendeu nos escritórios da construtora Norberto Odebrecht são evidências cabais de que tal prática existe na política brasileira há mais de 30 anos. Muito mais! Não foram, portanto, os políticos que hoje ocupam mandatos quem inventaram a corrupção para fins eleitorais. Como se percebe nas planilhas, políticos de quase todos os partidos utilizam recursos escusos para suas campanhas eleitorais. Por sinal, é um modo institucionalizado de fazer política.

O Brasil, hoje, não precisa de uma guerra pelo poder. Se há ou não crise instalada, o país e seu povo precisam vencer os obstáculos e avançar. Inclusive no que tange à proibição de financiamento privado das campanhas, já previsto em lei. É natural que ocorram conflitos, mas que não sejam determinantes para a derrota da nossa ainda jovem, frágil e ameaçada democracia. Afinal, lembremos o quanto e quantos brasileiros já sofreram para desfrutar dela em tempos de guerra! Agora que estamos em tempos de paz, a democracia pode e deve conviver e caminhar lado a lado com ela, sob nossa vigilância e proteção.

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